13 agosto, 2014

Identidade Sobreposta



Começou assim, aparentemente inocente. Ele sentia vontade de crescer na vida, de ser notado, de fazer por merecer. Lutava por isso. Esforçou-se bastante. Sempre quis ter seus próprios méritos e, a partir deles, ser valorizado. Quis traçar seu caminho, e assim o fez.

Suas metas pareciam possíveis de serem alcançadas rumo ao sucesso. Mas se encantou alucinadamente pelo dito “sucesso”, o objetivo primordial de sua vida que, por sua vez, parecia um tanto quanto longínquo. Optou, então, por desconsiderar todas as etapas que certamente e merecidamente o levariam até ele.

Em sua busca incansável pelo sucesso, tornou-se deveras ambicioso. Não se tratava de uma ambição no sentido de evoluir como pessoa, mas no sentido de diminuir a dignidade. Suas ambições, cegamente, sobrepunham os limites familiares, sociais, éticos e até humanos. Descartava o contexto entre o certo e o errado.

Abriu mão, indiretamente, de sua família, da vida que vivia até ali. Deixou de lado sua companheira de tantos anos. Passou a priorizar saídas com pessoas mais populares, poderosas, ricas e influentes.

Com esse jogo de interesses, forçou-se a ser quem nunca fora antes. Tentava ser alguém de outro nível social; inventava situações, despudoradamente, que o fizessem aparentar pertencer a uma “classe” mais notável, quase que uma “raça” superior.

Aliou-se a pessoas imundas. Sujou-se com a sujeira de outros, que se somou às suas próprias. Garantia seus interesses à custa de outros, sem qualquer critério. O dinheiro falou mais alto.

Passou a ter um preço. Colocou a soberba em primeiro plano. Perdeu-se!

Mal sabia que tinha, antes disso, sua própria vida. Perdeu-se quando quis ser outra pessoa. Não se contentou em querer melhorar, se reinventar. Achou prudente fingir ser quem não era, se sobrepondo a qualquer um que se opusesse. Quis ser outra pessoa, quis viver uma vida que não era sua, ou que não deveria ser. Pelo menos não desse jeito.

Em um plano paralelo, poderia estar em uma situação melhor, talvez pior. Mas estaria numa vida real. A vida real, tal qual se apresenta, é o que instiga a querer melhorar, a evoluir, a nos tornarmos mais fortes ou a buscarmos forças. Não há atalhos para aprender essas coisas. São etapas que não deveriam ser puladas. No entanto, ele parecia gostar de viver fora da realidade, passando por cima de outros, pisoteando sentimentos alheios.

Seria uma pessoa livre de problemas maiores, mas se pôs em uma posição em que se tornou seu próprio problema. Achava que o contexto que incorporou o obrigava a ser assim. Mal sabia que havia se tornado refém de seu próprio ego. E o seu ego espantava pessoas de bem, por vezes açoitando-as!

Assumiu um papel que não lhe cabia, nem por direito, tampouco por merecimento. Travestiu-se de alguém que jamais seria. Esbanjava um status que sabia não possuir, mas gostava de máscaras.

Passou, definitivamente, a se portar como se de determinado grupo pertencesse, e esta ilusão que criara o engolia. Era insatisfeito com a vida que tinha e, por isso, fantasiava ser outro “alguém”. Outrora sua insatisfação o inspirava a subir degraus da jornada da vida, mas sua cobiça tomou conta de sua alma; o fez querer pular etapas e se desvirtuar do caminho correto. Afastou os justos que o repreendiam, aproximou os corruptos que o apoiavam.

Estes últimos que o apoiavam foram os primeiros a fugirem quando a tempestade chegou. Mas antes, pelas costas, o chafurdaram na lama para garantirem que também não se sujariam. Ficou só. Sentiu-se injustiçado, fez-se de vítima, recusou-se a enxergar as causas de sua queda. Renegou qualquer tipo de remorso por algum dia haver sido injusto com os outros que tanto pisou. Sentiu pena de si mesmo. A cada choro, uma involução e uma cegueira mais avançada.

As pessoas são “faustas”, como Goethe tão bem expôs. “Fausta” foi a melhor definição para o que ele havia se tornado. Vendeu sua alma, trocou sua vida por ideais impostos por uma cultura reprodutivista de que quanto mais poder, melhor. Ideais sem sentido. Ele trocou sua alma por coisas fúteis e passageiras que preenchessem sua mediocridade.

Aos poucos sua história se transmutou para uma grande quimera. Notou, finalmente, que havia perdido a sua identidade. Não sabia mais como recuperar aquele que um dia havia sido. Tornou-se seu próprio escravo e, muito pior do que isso, o seu pior algoz.

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* Tema do texto sugerido pelo meu amigo Emilio Numazaki. 
* Insight sobre Goêthe sugerido pelo meu namorado Daniel Nunes.

Obrigada pelas dicas. Vale a dedicatória!

01 março, 2014

O Último Discurso x Protestos no Brasil

Que Charles Chaplin foi um gênio em muitos sentidos, não resta dúvida. Em “O Grande Ditador”, o ator proferiu um discurso sincero pela liberdade. O que mais chama a atenção é a atualidade do discurso. Ainda hoje, tudo o que foi levantado é reiterado por muitos que buscam e/ ou acreditam em um mundo mais justo e igualitário.

É cabível analogias aos fatos recentes de manifestações populares que têm como foco diversos problemas sociais. Existem apelos de liberdade há tempos no mundo inteiro sobre vários contextos, mas que se assemelham no sentido de serem contra o poder que “escraviza” o povo, que exalta a desigualdade e faz inchar a opressão.

Ressalte-se: as manifestações no Brasil aparentam ter um cunho generalizado, apartidário, que converge à raiz de todas as desigualdades e opressões do sistema como um todo. A centelha que faltava para desencadear essa sequência de movimentos no País foi o aumento das tarifas de transporte público em R$ 0,20 em São Paulo. Foi a gota d’água em um recipiente já saturado. Sabe-se, nitidamente, que o movimento não se limita a essa questão. Mais do que isso, é notório que a problemática não se finda somente em um aumento de vinte centavos.

Sob o prisma do desencanto político-social, temos problemas desta natureza comuns em vários países, os quais endossaram suas manifestações populares em escala global.  Nessa esteira, é possível traçar um paralelo com este trecho do discurso:

Os homens que odeiam desparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo.


Tal trecho faz menção ao fato de que o detentor da força é o povo unido contra todas as formas de opressão. Possível fazer alusão ao quadro de Delacroix, já mencionado em uma outra abordagem deste blog, cujo título é “Liberdade Guiando o Povo”. Caso queiram saber o contexto, cliquem aqui.

Em um salto histórico, hoje vemos o Brasil se erguendo, momento em que o povo resolve mostrar sua voz, ir às ruas. Uma luta por melhores condições sociais, para que o Estado cumpra devidamente o seu papel. Uma luta em prol da segurança, saúde, educação e, por que não dizer, pela dignidade da pessoa humana constitucionalmente prevista? Vive-se, neste país, sob um regime de exploração, inclusive tributária, onde o brasileiro trabalha cerca de cinco meses somente para pagar impostos e demais tributos. A violência político-social é escancarada!

Até então vimos que tentam nos empurrar goela abaixo a política do “pão e circo”, mas não há qualquer possibilidade de que isso seja acatado eternamente, embora o interesse da minoria dominante seja de que tal política se perpetue. Pode-se relacionar essa ótica ao regime absolutista que mais tarde desencadearia a Revolução Francesa. Em outras palavras, todo tipo de opressão, camuflada ou não, tem limites e faz com que o povo se rebele contra os abusos.

Destaco outro trecho da cena “O último discurso” do filme “O Grande Ditador”, o qual demonstra que a ideologia do Estado é aquela que segrega o povo em classes, sob a ótica de uma falsa democracia que exclui a sociedade, restando ao povo se unir para combater essas mazelas a ele impostas:

“Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice. É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos.”

O dia 17 de junho de 2013 ficará marcado pelo dia em que o povo brasileiro, independente de fronteiras, se uniu para entoar um grande grito de liberdade. Descartando problemas pontuais passíveis em quaisquer manifestações em massa, o grito preso há tempos na garganta finalmente explodiu! Hoje vemos o País despertar, o que se reflete na busca pela liberdade contra os abusos que por tempos têm sido seu maior fardo. E o que se espera é que esse ritmo de protestos continue e ganhe cada vez mais força.

A luta pela Liberdade, em suas aplicabilidades e contextos, é legítima. Algo que deve ser reiterado, algo que sirva de inspiração para gerações presentes e futuras. Chega de abusos!

Tendo por base o já exposto, sugiro que assistam ao vídeo abaixo.  Para cada ato injusto que prive à sociedade em algum sentido, existirá uma reação, mesmo que tardia. A conclusão ficará a cargo de cada um!


*Texto escrito com a colaboração do historiador Daniel Nunes.

* Texto de minha autoria originalmente publicado no blog Diversidade Convergente.

23 fevereiro, 2014

Por que casar?

 Não sou a melhor pessoa para abordar o sentido do casamento. Até porque não pretendo exaurir o assunto. Adianto que não sou exemplo de religiosidade. Acho prudente enfatizar isso já que, naturalmente, ao falarmos sobre casamentos, instintivamente nossas mentes nos remetem a vestidos brancos, igrejas, altares, padres, pastores, padrinhos, buquês e todo o restante abrangido pelo kit-casamento. Não é o que vemos nas novelas?

O porquê da existência deste texto? Basicamente o fato de que uma amiga irá se casar em fevereiro de 2014. Tenho acompanhado os preparativos pelo que ela externa: desde a preocupação com o vestido, igreja, cerimônia, músicas e até com a burocracia. Tudo isso me leva a pensar a respeito do assunto e tecer algumas considerações.

Mesmo que muitos relativizem a importância de um casamento, isso é coisa séria! Afinal de contas, quando é que se tem a certeza de que aquele é o indivíduo com quem você pretende passar o resto da vida?

É comum vermos a união de duas pessoas não por uma questão de conveniência (desconsiderando-se as exceções), mas sim de convivência, sentimentos, afinidades (e até divergências). É possível aprender bastante um com o outro e, mesmo na distância, sentir-se vestido pelo sentimento de união.

Em uma visão pessoal, creio que se propor a um relacionamento é, também, um exercício de paciência. Há ocasiões em que uma parte cede em favor de um bem maior. E quando as divergências se tornam nítidas, conversas e consensos se fazem necessários para que o “problema” seja exaurido. Ao contrário do que muitos pensam, não é estritamente desgastante, mas sim uma questão de prioridades. Quando se prioriza um relacionamento, algum motivo forte está implícito. Um sentimento maior que aglomera tantos outros e que torna ínfimo quaisquer eventuais desentendimentos.

Propor-se a um relacionamento pode parecer incoerente, já que se torna possível aprender a amar até os defeitos do outro. O companheiro se torna perfeito, ainda que eivado de imperfeições. Acredito que o conceito de perfeição não é uma subjetividade absoluta e, fazendo um trocadilho, a definição de perfeição não traz um significado perfeito.

No caso em que se tem por objeto a análise de um relacionamento, sob minha ótica e vivência, torna-se um conceito objetivo onde é possível afirmar com propriedade que a pessoa perfeita, que te completa, supre e traz os melhores sentimentos é aquela que te faz aferir, com uma certeza íntima, a existência de um verdadeiro relacionamento. É uma visão objetiva quando externada, mas construída mediante a subjetividade, algo peculiar de cada um.


É comum aprender a admirar o outro não apenas pelo que é dentro do relacionamento, mas pelo que tem sido em diferentes situações. Um relacionamento pode ser fonte de inspiração e instigar a querer ser melhor para o outro. Esse conjunto de sentimentos, paradoxais ou não, muitas vezes sintetizam aquilo que chamamos de amor combinado com o anseio de que tal união perdure por anos. Ao menos a ideia de casamento, ao senso comum, induz a isso.

Penso que a maioria procura um companheiro não somente com a finalidade de constituir família, embora possa ser esta a ideia central que norteie um casamento. Há, em primeiro plano, duas pessoas unidas com um objetivo de vida comum, mas que pode significar algo além disso. Os fundamentos maiores decorrem, também, da relação de segurança, confiança, fuga da solidão, companheirismo, sentimento de amor, carinho, zelo, paixão. É impossível enumerar exaustivamente os motivos, apenas pode-se perceber que eles existem e se sobrepõem à ideia em sentido estrito de apenas constituir família ou formalizar uma relação preexistente.

Ora, depois de algum tempo de relacionamento duradouro, constatado conforme as particularidades, seja pelo tempo de união, seja pela intensidade desta, o que se espera é que a dita união seja formalizada.
Mas por que formalizar?

A princípio, alguns não curtem a ideia de uma união “informal”, embora existam casos em que a simples união, ainda que não submetida a cartório ou cerimônias religiosas, seja muito mais “casamento” do que tantos outros realizados segundo os ritos religiosos ou legais. Mas tal questão também é particular, e é inconcebível para alguns se unirem fora dos ritos comumente aceitos, sejam eles religiosos ou não. Isso abrange um histórico familiar e incumbências morais.

Formalizar implica considerar duas esferas: tanto a legal quanto a cultural/religiosa. É fato que a ideia de casamento, tendo por foco o Brasil, está notoriamente interligada ao fator cultural/religioso, onde duas pessoas se unem combinando os laços afetivos com aqueles que se estendem aos efeitos legais e os laços contratuais.

O casamento, à luz do Código Civil Brasileiro, abrange uma série de procedimentos, prazos, impedimentos, documentos para habilitação, capacidade para contrair o matrimônio, dentre outros fatores para que seja considerado válido. Seria um mero negócio, uma relação contratual, que estabeleceria direitos e obrigações legalmente constituídas entre duas pessoas, com efeito sobre terceiros.

Em uma visão simplista, o casamento seria um contrato firmado entre duas partes. Uma garantia de que os deveres sejam devidamente cumpridos e os direitos respeitados. Esta seria uma ideia vaga sobre a necessidade de formalização.

Mas isso nos remete à aprofundada visão cultural/religiosa, intrínseca no sentido de casamento para muitos. É sabido que a conotação que este atinge busca uma aceitação cultural e, dependendo dos credos de cada um, torna-se algo originariamente divino. Talvez o único método válido de contrair um casamento, restando à esfera civil o cumprimento de formalidades residuais.

Nessa segunda visão temos aspectos bem mais subjetivistas, mas que, consuetudinariamente abarcam muito mais significados do que a formalização de um contrato expresso em um papel que carrega validade jurídica em seu bojo. Não seria o casamento um simples instrumento contratual que vincularia as partes. Diante do exposto acima, notório é que não considero o casamento uma mera assinatura de documentos que vinculam ambas as partes.

O casamento, a meu ver, antes de se considerar os efeitos civis decorrentes de sua realização, se trata de uma aliança construída entre duas pessoas através de objetivos e sentimentos comuns. Casar-se na esfera religiosa pode significar um acontecimento muito mais valioso e digno de ser cumprido do que um rol de obrigações estipuladas no papel. Aos olhos de Deus, com foco Nele quando da realização dos atos matrimoniais (e não somente aos “olhos da lei”), torna-se uma obrigação moral muito mais legítima.

Retomo à tentativa de justificar a necessidade, por outro aspecto, de que o casamento seja formalizado. Sabe-se que o casamento acarreta consequências sociais e legais, que saem da esfera familiar e abrangem terceiros direta ou indiretamente. Está para além do direito sucessório ou da legitimidade para realizar uma série de atos civis. Assegura, também, a ideia de reconhecimento perante determinadas relações sociais/obrigacionais.

Há uma série de pontos de vista que justificariam a ideia de casar, mas nenhum é válido sem que se considere a percepção íntima de quem se propõe a contrair um matrimônio. Ainda que pareça inexplicável, é perfeitamente concebível que o sentido para uma vida feliz a dois se encontre justamente em um casamento. Dessa forma, o questionamento inicialmente proposto não é algo que eu ou você possa traduzir em palavras. É uma certeza que simplesmente acontece e que dispensa tantas outras teses sobre o assunto.

*Texto inspirado em uma pessoa querida que se casará em breve. Marília Rosa, essa é pra você!
Imagem por Débora

Texto de minha autoria originalmente postado no blog DIVERSIDADE CONVERGENTE.

17 outubro, 2013

Pai, essa é pra você!

Hoje escrevo pra você! Meu ídolo, minha proteção, meu guardião, meu exemplo, meu grande amor. Meu espelho de vida: Hernani, meu amado pai.
Quem acompanhou meus passos, quem pôde estar ao meu lado por 20 anos. Um dos responsáveis pelas primeiras manifestações de amor, afeto, valores. De onde veio o colo, o sentimento de abrigo, o momento em que todos os problemas se tornavam vazios.
Nas horas de desespero, era pra você que eu corria. Sempre o considerei sábio, sensato, sabedor do que é certo. Confiava minhas decisões a ti, abraçava tuas opiniões (e ainda as abraço), porque sabia que eram ponderadas, emitidas por quem tinha moral para tecer comentários. Por quem entendia de vida e entendia de família. Entendia de ética, moral, disciplina, bom senso, profissionalismo, autenticidade, responsabilidade, solidariedade... Alguém com um lado humano mais do que digno!  São tantas coisas que mal consigo enumerar. Trago uma ideia central: você soube ser pai! Um grande pai! O pai que precisei e que ainda preciso. Minha referência!
Você... Quem eu nunca consegui imaginar com um semblante envelhecido, embora fosse maduro. Mesmo que pudesse ter vivido décadas além dos 48 anos que viveu, não te veria nunca como um velho. Ainda que se sobressaíssem alguns singelos cabelos brancos, a imagem que tive sempre foi de um pai jovem. E você era! Jovem de idade, mas não de vivência.
Admirava vê-lo correr, jogar futebol e soltar pipa com meu irmão. Aprendi a admirar a forma como foi cuidadoso conosco, por tudo que abdicou em prol de sua família.
Lembro-me de quando me ensinou a andar de bicicleta, correndo ao meu lado enquanto eu pedalava. Lembro-me dos gibis que comprava, porque sabia que eu adorava ler. Sempre que surgia o novo “Almanacão de Férias Turma da Mônica”, lá estava um presente me esperando.
Lembro-me da comida deliciosa que você fazia. Lembro-me das explosões de alegria quando o time que torcia fazia gol (sobretudo quando ganhava do Flamengo). Lembro-me das paródias que criava e cantava pra gente e do jeito como ensinou nosso cãozinho Splinter a latir (Pasmem!). Lembro-me até das broncas que eu recebia quando ficava muito tempo usando o computador.
Lembro-me do amor que você depositava na família. De como se orgulhava quando eu contava sobre os feitos no colégio, no esporte, até na faculdade. De quando sorria ao saber de coisas cômicas que meu irmão fazia, o caçula botafoguense, orgulho do pai. Coisas simples, mas que faziam muito a diferença!
Nunca tive coragem ou peito suficiente para falar tudo isso assim, de uma vez, pessoalmente. Temos o péssimo costume de guardar para nós aquilo que de mais belo sentimos, expondo uma vez ou outra. Mal nos atentamos sobre o quanto é agradável ouvir o coração do outro. Mesmo que já tenhamos consciência de que os sentimentos existam e são fortes, nunca é demais reiterá-los!
Tantas lembranças do que poderia acontecer e não existiu. Saudades do que passou e ficou na lembrança! Saudades, também, do que não passou, do que não pudemos viver juntos. Tantos planos, tantos pensamentos sobre como seriam as coisas se você ainda estivesse fisicamente aqui...
Meu saudoso pai, tem noção de quanta falta nos faz? As pessoas pensam entender, mas nem sempre entendem. Somente quem já passou por situação semelhante consegue mensurar este sentimento: um misto de amor, saudades, tristeza, carinho. Sua presença subsiste na ausência.
Saudades diárias, impossível passar sequer um dia incólume. Nem o tempo, nem a distância, nem a saudade consegue me separar do que você foi e ainda é! Nada me afasta de tudo que representa pra mim. O amor só cresce! Orgulho por ser a sua filha, por ter seu sangue, por ser parecida com você.
Quanto amor! Quanto choro! Quantas saudades!
Junto com a sua ausência, surgem os “porquês”. Por que foi tão cedo? Por que não deu tempo de conhecer meus futuros filhos, seus futuros netos? Por que fui privada da sua presença em meu futuro casamento? Por que não pude receber um abraço em minha colação de grau, quando tirei a nota máxima na monografia, quando fui aprovada em um concurso público ou quando me tornei advogada? Por que não tenho mais você para contar as coisas que vivo, as posturas que tomo? Por que não o tenho mais para puxar minha orelha caso seja preciso?
Às vezes fico perdida! Quantas noites de insônia e lágrimas! Sinto uma necessidade imensa de conversar contigo, desabafar. Amor eterno e saudades que se prolongam no tempo. Amor este que, neste momento, transborda pelos olhos.
Que você, pai, esteja bem onde estiver! Não quero decepcioná-lo nunca e espero que sempre se orgulhe de mim.
Neste dia em que se completam cinco anos sem a sua presença física, apenas desejo que receba todo o meu amor, carinho, admiração! Penso em você todos os dias. Você está presente em mim.
Espero... Até o dia em que nos encontraremos de novo! Até o dia em que as lágrimas serão um alívio para o coração e a expressão da felicidade da alma. Até o dia em que a dor da saudade se transforme em uma doce lembrança, igual tantas outras que já tenho em relação a você, meu pai.
São os sinceros sentimentos da sua filha que te ama infinitamente,
Lilian

04 junho, 2013

O Abrir das Asas


À espreita, sempre observei tudo e todos. Sempre quis ir em frente, mas recuava. Não por medo, mas por comodismo. Estava acostumada a viver em meu intacto casulo. Sim, meu casulo! Imaginava que algum dia aquela prisão psicológica que tanto me freava pudesse se transformar em asas, e que eu pudesse partir. Claro que eu tinha os meios para romper o casulo, mas achei melhor esperar um pouco mais antes de “destrancá-lo”.

Vivia naquela mesmice, sempre no mesmo lugar, sem nada a fazer ou a acrescentar. E se eu sumisse, quantas pessoas sentiriam falta? E quando eu seria um marco na vida de alguma pessoa? Até onde eu poderia ser indispensável? Quando é que me enxergariam como alguém? Alguém que faria a diferença?

O dia chegou, o dia em que me coloquei em posição de decolagem. O dia em que quis conferir como realmente era o mundo, quando parei de considerar somente o meu mundo particular. Constatei que era realmente preciso voar, não como uma forma de fuga, mas uma maneira de conhecer novas realidades, de deixar de ser temerosa e crua de vivência.

Subi em cima da janela e sentei-me com os pés do lado de fora, apenas para observar as estrelas e pensar em tudo que poderia viver de hoje em diante. Questionei-me se alguém se preocuparia comigo em algum momento ou aspecto durante a minha jornada. Isso me freou. Foi quando ouvi um “Desça daí, menina!”. Não sei de onde veio a voz. Também não procurei saber, apenas a respondi:

_E por que eu deveria descer quando posso, daqui, presenciar um dos mais magníficos espetáculos dos céus durante uma encenação com meus pensamentos? Por que eu desceria, já que aqui sinto que sou alguém? Aqui, onde a personagem principal da história da vida sou eu?

E a voz me respondeu:

_Desça, menina! Desça porque você ainda terá muitos feitos, os quais não irão ocorrer se você permanecer aí parada. Vá e desvende o mundo! Esqueça os bloqueios! Cresça, amadureça, faça algo que te eternize!

Recolhi, então, meus pés que estavam apoiados do lado de fora. Dei uma última olhada para as estrelas, aquelas que foram testemunhas de todos os meus devaneios. Respirei fundo, fechei os olhos por alguns segundos. Quando os abri, estava determinada.  Sabia exatamente o que fazer, embora não soubesse o resultado dos meus atos. Fui guiada pela minha intuição.
Foi quando resolvi encarar a grande vista, a percepção que os meus olhos tinham ao fitar o ambiente através do lugar mais alto que pude alcançar. Do alto avistei desafios. Fui atraída por eles em uma busca incessante por realizar grandes feitos, algo que me fizesse sentir útil, indispensável e até notável.

Nesse momento optei, finalmente, por abrir as minhas asas e seguir em busca daquilo que certamente era meu mas que demorei a me apossar: o meu destino.

*Texto de minha autoria originalmente publicado no blog DIVERSIDADE CONVERGENTE.

NÃO GOSTO DE GAROTAS!


Sim, eu não gosto de garotas! Eu, um cara beirando os trinta anos, descubro agora que não gosto de garotas.  Garotas são irrelevantes!

Eu não gosto de meninas que se fingem de mulheres. Não gosto de garotas que leem 50 tons de cinza e se apaixonam pelo Christian Grey. Maldito Grey!

Não gosto de garotas que tentam ser diferentes e se tornam iguais a todas as outras. Odeio essas modinhas!

Eu não gosto de garotas que, quando acuadas pela falta de inteligência, quando surpreendidas com argumentos, atacam da pior forma possível, com ignorância. Elas e a falta de capacidade de pensar. E quando acham que pensam, partem de premissas erradas de que são mulheres.
Eu não gosto de garotas que pensam que são mulheres.

E não pensem que estou falando de adolescentes. As piores, para mim, são as “garotas” de 30 e poucos anos. Será que não perceberam que o tempo passou e a cabeça delas parou? Esse retardo intelectual proposital é o pior de todos. Beira o ridículo!

Tento não ser prepotente, mas realmente não gosto de garotas. Meu gosto tem se tornado peculiar (ainda bem), mas o mercado é escasso. Pelo menos tem sido para mim. Não sei se fui eu que cavei tudo isso com a minha vida louca e sem limites. Atraí as piores espécimes, as que achei que gostaria de ter, mas não quero mais. Afinal acordei e agora quero sair dessa vida vazia. Não é querer demais buscar por mulheres de verdade, é?

Mulher não se resume a peitos e bundas. Aprendam! Isso é só passatempo!

Não me olhem como se eu estivesse com o estereótipo de “bad boy”. Não quero ter esse estigma em mim. Não sou um macho que se diga dominante, não quero apenas procriar. Sou bem mais do que isso. As pessoas deveriam saber enxergar além da “casca”. Sim, confesso que espero mais das pessoas. É uma coisa tão simples e tão complexa! Tudo está banalizado: o corpo, a mente, os valores.

Apenas não suporto ter a minha inteligência subestimada. Ora, ora, ora! Não sou todo hormônios, por favor! Já fui, mas recentemente despertei a vontade de também usar o cérebro.

Sei que pessoalmente posso não ter muitas qualidades, mas será que encontrarei alguém que goste das poucas que tenho? Alguém que também saiba conviver com meus defeitos? É muito difícil encontrar a minha outra metade! É, admito, preciso que alguém me complete. Ninguém é completamente autossuficiente. Todo mundo carrega alguma carência. Carência afetiva, principalmente!

Sei que preciso de alguém que acrescente alguma coisa boa à minha vida. Não quero mais saber de figurinhas, muito menos as repetidas e que já passaram nas mãos de muitos. Céus! É querer demais isso? Querer encontrar alguém que divida os problemas, as alegrias, as confidências, os planos e, por que não, a cama?

Estou exausto! Cansado de baladas, de garotas, de noitadas. Isso cansa! Tanta coisa vazia consome muito o meu tempo. Tenho ocupado meu tempo com um nada quase que absoluto, mas aprendi a odiar desperdícios. Quero sair desse retrocesso!

Deixem-me, por favor, curtir essa corriqueira ressaca moral/pessoal/opcional.

* Texto de minha autoria originalmente publicado no blog Diversidade Convergente. 

10 dezembro, 2012

A Menina de Olhos Castanhos


Era uma menina de olhos castanhos. Assim mesmo, com esta descrição pura e simples. Não que ela tivesse algo a esconder, mas era assim que se apresentava.


Não queria ter um diferencial. Na verdade, a exaltação de características nada rebuscadas simplesmente a igualava a várias outras garotas. E era o que ela queria. Tinha pavor em ser notada, em ser vista ou julgada. Sentia-se reprimida e se colocava em uma posição que tinha aversão, talvez por medo. Detestava a ideia de existir, mas existia.

Ela, a menina de olhos castanhos. Aquela que era simplista. Na verdade, aquela que, no âmago, não era nada simplista. Aquela que fazia exercícios para manter sua mente vazia de tudo, de gente, do mundo. Mas não conseguia.

A menina de olhos castanhos. A menina que se autodenominava assim tendo como único critério a cor dos olhos. Mas por que justo este critério?  Ela que poderia se caracterizar de diferentes formas básicas, por que escolheu pela cor dos olhos?

Foi quando descobriu que era muito mais do que uma menina de olhos castanhos. Percebeu que o seu olhar, aquilo que a caracterizava perante o seu mundo particular, em uma percepção de seu “alter ego”, era eivado de significados. Sentiu, pela primeira vez, um choque de realidade.

A menina, repentinamente, se arriscou a tentar ser quem, de fato, era. Tentar se igualar às outras era demasiado difícil, moralmente complexo. Assentiu que aquela que optava ser não era ela. Livrou-se das amarras que outrora havia criado para si mesma.

Afastou o receio de abranger sua visão e, enfim, passou a enxergar. Optou por novas escolhas, desta vez, positivas. Resolveu sair da inércia, da vida sem emoções pela qual havia optado. Sentiu vontade de ir além, até o horizonte que seus olhos alcançavam.

A menina de olhos castanhos passou a trabalhar a sua forma de lidar com aquilo que a rodeava e, mais ainda, a maneira como se relacionava consigo própria.

Hoje ainda se intitula como a “menina de olhos castanhos”. Mas agora tem a convicção, em seu íntimo, de que é muito mais do quê isso. Não perdeu a sua essência, continua com aquele seu espírito de garota, mas uma garota cheia de experiências de vida, percepções de coisas, de gente, do mundo.

A mulher de belíssimos e profundos olhos castanhos. A mulher que, enfim, despiu-se de sua miopia moral.
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Texto de minha autoria originalmente publicado no blog Diversidade Convergente!