Era uma menina de olhos castanhos. Assim mesmo, com esta descrição pura e simples. Não que ela tivesse algo a esconder, mas era assim que se apresentava.
Não queria ter um diferencial. Na verdade, a exaltação de
características nada rebuscadas simplesmente a igualava a várias outras
garotas. E era o que ela queria. Tinha pavor em ser notada, em ser vista ou
julgada. Sentia-se reprimida e se colocava em uma posição que tinha aversão,
talvez por medo. Detestava a ideia de existir, mas existia.
Ela, a menina de olhos castanhos. Aquela que era simplista. Na
verdade, aquela que, no âmago, não era nada simplista. Aquela que fazia
exercícios para manter sua mente vazia de tudo, de gente, do mundo. Mas não
conseguia.
A menina de olhos castanhos. A menina que se autodenominava
assim tendo como único critério a cor dos olhos. Mas por que justo este
critério? Ela que poderia se caracterizar de diferentes formas básicas,
por que escolheu pela cor dos olhos?
Foi quando descobriu que era muito mais do que uma menina de
olhos castanhos. Percebeu que o seu olhar, aquilo que a caracterizava perante o
seu mundo particular, em uma percepção de seu “alter ego”, era eivado de significados.
Sentiu, pela primeira vez, um choque de realidade.
A menina, repentinamente, se arriscou a tentar ser quem, de
fato, era. Tentar se igualar às outras era demasiado difícil, moralmente
complexo. Assentiu que aquela que optava ser não era ela. Livrou-se das amarras
que outrora havia criado para si mesma.
Afastou o receio de abranger sua visão e, enfim, passou a
enxergar. Optou por novas escolhas, desta vez, positivas. Resolveu sair da
inércia, da vida sem emoções pela qual havia optado. Sentiu vontade de ir além,
até o horizonte que seus olhos alcançavam.
A menina de olhos castanhos passou a trabalhar a sua forma de
lidar com aquilo que a rodeava e, mais ainda, a maneira como se relacionava
consigo própria.
Hoje ainda se intitula como a “menina de olhos castanhos”. Mas
agora tem a convicção, em seu íntimo, de que é muito mais do quê isso. Não
perdeu a sua essência, continua com aquele seu espírito de garota, mas uma
garota cheia de experiências de vida, percepções de coisas, de gente, do mundo.
A mulher de belíssimos e profundos olhos castanhos. A mulher
que, enfim, despiu-se de sua miopia moral.
***
Texto de minha autoria originalmente publicado no blog Diversidade Convergente!
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