A Arte nos inspira a fazer um paralelo sobre questões
contemporâneas. É certo que a expressão da arte é uma das melhores formas de
tornar “duradoura” a percepção do artista quanto à mensagem que anseia transmitir,
embora a luta pela liberdade se perpetue. Foi o que aconteceu com a obra
confeccionada em 1830, que traz significados suficientemente claros e que podem
ser adequados a vários temas atuais.
No século XVIII surgiu na Europa o
Romantismo, movimento que conquistou grande repercussão, sobretudo na França,
motivado pelos ideais do Iluminismo e, também, da Revolução Francesa: “Liberté,
Égalité, fraternité” (Liberdade, Igualdade e Fraternidade).
Entre as principais
características do movimento estão a demonstração do nacionalismo, a
valorização das emoções e dramaticidade, a centralização do indivíduo e seu
sentimentalismo frente ao Estado opressor e à crise social, a desconsideração
da racionalidade estabelecida pelo academicismo através da retratação de
figuras fictícias, além do subjetivismo atendo-se ao contexto histórico.
Uma das obras célebres deste
movimento é a “La Liberté guidant le peuple” (Liberdade Guiando o Povo),
do artista francês Eugène Delacroix, que
externa algumas propostas do Romantismo: a busca pela Liberdade tão almejada
pelos revolucionários; os soldados mortos por este grupo que lutava por seus
ideais embelecidos pela Revolução Francesa. O espetacular é que a dita
“Liberdade” se traduz através de uma figura feminina que carrega uma bandeira
francesa, polemicamente representada com os seios nus e empunhando uma arma de
forma a expor a luta pelos ideais, sendo o símbolo máximo de liberdade e
democracia a ser alcançado. O pintor realça o seu sentimentalismo retratando a
si mesmo como um dos revolucionários, demonstrando o seu apoio ao movimento
revolucionário e sua ânsia por ter participado.
É nítido que tal obra é carregada
de significados quando consideramos a situação histórica a que se refere. Ao
analisá-la, é possível pensar sobre a conotação do tema “liberdade” nos dias de
hoje.
***
Fazendo um salto histórico e
geográfico, chegamos ao Brasil. O nosso país é marcado não pela busca do que
chamamos de liberdade, mas sim de lutas por interesses, o que incitou o
surgimento durante anos de milícias e movimentos separatistas contra governos
opressores no Brasil. É de se impressionar que o Brasil é visto como um dos únicos
países que alcançou a independência com participação popular quase nula e sem
necessariamente ter que derramar sangue. Os poucos movimentos sociais/populares
que existiram foram de baixa expressividade. Há tempos o que prevalece é o
costume de o povo não buscar com afinco a dita “liberdade”.
Após o período de ditadura
militar, durante o processo de abertura política, surgiu a necessidade de
defender valores democráticos. O alcance à democracia e às liberdades foi, em
tese, materializado com o surgimento da Carta Magna de 1988, a qual trouxe o
devido respaldo aos direitos e garantias fundamentais que por anos foram
privados aos brasileiros, passando a incluir todos os cidadãos dentro das
proporções igualitárias.
Mas seriam estes direitos escritos
no papel suficientes para que sejamos livres e possamos exercê-los de forma
plena? Não seríamos escravos daquilo que pensamos ser a liberdade? O fato é
que, embora tenhamos direitos respaldados pela Constituição da República, nem
sempre conseguimos alcançá-los por questões diversas.
O artigo 6º da Constituição
Federal dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição”.
Ora, tais direitos sociais nos são
constitucionalmente garantidos e nem por isso são respeitados. Um exemplo
clássico é a saúde. Todos nós sabemos o quanto é precária a situação do
atendimento público de saúde, apesar de ser obrigação plena do Estado
garanti-la.
Embora existam soluções no papel,
podemos ousar afirmar que carecemos de movimentos sociais pontuais para exercer
o que nos é, de direito, garantido. O Direito em suas diversas vertentes tem
como finalidade atender a todos, de forma justa, pacífica e igualitária, pelo
menos na teoria. Tal finalidade somente pode ser atingida através de batalhas.
Não há que se falar de lutas corpo a corpo, mas luta por direitos, por fazer
valer aquilo que deveria nos ser garantido. O que se denota, no entanto, é que
não temos a “liberdade” que deveríamos ter.
Ademais, ainda convivemos com a
barreira de não sabermos, na íntegra, a liberdade que realmente buscamos ou do
quê precisamos nos libertar. Somos ludibriados ou aceitamos sermos colocados
nessa posição. O brasileiro se acomodou com esse “estilo de vida”, vestiu tais
paradigmas.
A liberdade deveria ser o pleno
alcance ao que é nosso de direito, sem termos que nos submeter à boa vontade do
Estado, que muitas vezes não cumpre o que lhe é incumbido. A liberdade deveria
ser o estereótipo da dignidade da pessoa humana. Mas ainda não a enxergamos
assim. Por vezes preferimos nos manter vendados, à espera de algo que nunca
chegará.
Talvez falte uma inspiração que
nos motive a não sermos escravos de nossas próprias rotinas, nossos próprios
comodismos, enquanto impera a nossa apatia.
Falta-nos, antes de tudo, uma
“Liberdade Guiando o Povo”, que nos instigue a sair da inércia. Precisamos não
necessariamente de um símbolo, mas de algo maior, que nos inspire a querer
mudar. É preciso, antes de tudo, percebermos que há algo a ser conquistado e
que não será desbravado sem um primeiro passo. Em uma analogia ao Mito da
Caverna de Platão, é preciso haver a superação de nossa ignorância para que o
conhecimento seja aceito e concretizado; neste caso, para que a liberdade seja
obtida.
Falta-nos a coragem para ir
adiante. Afinal, torna-se difícil lutarmos por algo enquanto nem nós mesmos
sabemos o que queremos. Um pouco do romantismo europeu nos dias de hoje cairia
muito bem ao Brasil.
*
Texto de minha autoria originalmente publicado no blog DIVERSIDADE CONVERGENTE:
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