15 novembro, 2012

O Romantismo, a Revolução Francesa, Delacroix e o Brasil


A Arte nos inspira a fazer um paralelo sobre questões contemporâneas. É certo que a expressão da arte é uma das melhores formas de tornar “duradoura” a percepção do artista quanto à mensagem que anseia transmitir, embora a luta pela liberdade se perpetue. Foi o que aconteceu com a obra confeccionada em 1830, que traz significados suficientemente claros e que podem ser adequados a vários temas atuais.


No século XVIII surgiu na Europa o Romantismo, movimento que conquistou grande repercussão, sobretudo na França, motivado pelos ideais do Iluminismo e, também, da Revolução Francesa: “Liberté, Égalité, fraternité” (Liberdade, Igualdade e Fraternidade).

Entre as principais características do movimento estão a demonstração do nacionalismo, a valorização das emoções e dramaticidade, a centralização do indivíduo e seu sentimentalismo frente ao Estado opressor e à crise social, a desconsideração da racionalidade estabelecida pelo academicismo através da retratação de figuras fictícias, além do subjetivismo atendo-se ao contexto histórico.

Uma das obras célebres deste movimento é a “La Liberté guidant le peuple” (Liberdade Guiando o Povo), do artista francês Eugène Delacroix, que externa algumas propostas do Romantismo: a busca pela Liberdade tão almejada pelos revolucionários; os soldados mortos por este grupo que lutava por seus ideais embelecidos pela Revolução Francesa. O espetacular é que a dita “Liberdade” se traduz através de uma figura feminina que carrega uma bandeira francesa, polemicamente representada com os seios nus e empunhando uma arma de forma a expor a luta pelos ideais, sendo o símbolo máximo de liberdade e democracia a ser alcançado. O pintor realça o seu sentimentalismo retratando a si mesmo como um dos revolucionários, demonstrando o seu apoio ao movimento revolucionário e sua ânsia por ter participado.

É nítido que tal obra é carregada de significados quando consideramos a situação histórica a que se refere. Ao analisá-la, é possível pensar sobre a conotação do tema “liberdade” nos dias de hoje.

***

Fazendo um salto histórico e geográfico, chegamos ao Brasil. O nosso país é marcado não pela busca do que chamamos de liberdade, mas sim de lutas por interesses, o que incitou o surgimento durante anos de milícias e movimentos separatistas contra governos opressores no Brasil. É de se impressionar que o Brasil é visto como um dos únicos países que alcançou a independência com participação popular quase nula e sem necessariamente ter que derramar sangue. Os poucos movimentos sociais/populares que existiram foram de baixa expressividade. Há tempos o que prevalece é o costume de o povo não buscar com afinco a dita “liberdade”.

Após o período de ditadura militar, durante o processo de abertura política, surgiu a necessidade de defender valores democráticos. O alcance à democracia e às liberdades foi, em tese, materializado com o surgimento da Carta Magna de 1988, a qual trouxe o devido respaldo aos direitos e garantias fundamentais que por anos foram privados aos brasileiros, passando a incluir todos os cidadãos dentro das proporções igualitárias.

Mas seriam estes direitos escritos no papel suficientes para que sejamos livres e possamos exercê-los de forma plena? Não seríamos escravos daquilo que pensamos ser a liberdade? O fato é que, embora tenhamos direitos respaldados pela Constituição da República, nem sempre conseguimos alcançá-los por questões diversas.

O artigo 6º da Constituição Federal dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Ora, tais direitos sociais nos são constitucionalmente garantidos e nem por isso são respeitados. Um exemplo clássico é a saúde. Todos nós sabemos o quanto é precária a situação do atendimento público de saúde, apesar de ser obrigação plena do Estado garanti-la.

Embora existam soluções no papel, podemos ousar afirmar que carecemos de movimentos sociais pontuais para exercer o que nos é, de direito, garantido. O Direito em suas diversas vertentes tem como finalidade atender a todos, de forma justa, pacífica e igualitária, pelo menos na teoria. Tal finalidade somente pode ser atingida através de batalhas. Não há que se falar de lutas corpo a corpo, mas luta por direitos, por fazer valer aquilo que deveria nos ser garantido. O que se denota, no entanto, é que não temos a “liberdade” que deveríamos ter.

Ademais, ainda convivemos com a barreira de não sabermos, na íntegra, a liberdade que realmente buscamos ou do quê precisamos nos libertar. Somos ludibriados ou aceitamos sermos colocados nessa posição. O brasileiro se acomodou com esse “estilo de vida”, vestiu tais paradigmas.

A liberdade deveria ser o pleno alcance ao que é nosso de direito, sem termos que nos submeter à boa vontade do Estado, que muitas vezes não cumpre o que lhe é incumbido. A liberdade deveria ser o estereótipo da dignidade da pessoa humana. Mas ainda não a enxergamos assim. Por vezes preferimos nos manter vendados, à espera de algo que nunca chegará.

Talvez falte uma inspiração que nos motive a não sermos escravos de nossas próprias rotinas, nossos próprios comodismos, enquanto impera a nossa apatia.
Falta-nos, antes de tudo, uma “Liberdade Guiando o Povo”, que nos instigue a sair da inércia. Precisamos não necessariamente de um símbolo, mas de algo maior, que nos inspire a querer mudar. É preciso, antes de tudo, percebermos que há algo a ser conquistado e que não será desbravado sem um primeiro passo. Em uma analogia ao Mito da Caverna de Platão, é preciso haver a superação de nossa ignorância para que o conhecimento seja aceito e concretizado; neste caso, para que a liberdade seja obtida.

Falta-nos a coragem para ir adiante. Afinal, torna-se difícil lutarmos por algo enquanto nem nós mesmos sabemos o que queremos. Um pouco do romantismo europeu nos dias de hoje cairia muito bem ao Brasil.

* Texto de minha autoria originalmente publicado no blog DIVERSIDADE CONVERGENTE:


Nenhum comentário:

Postar um comentário