13 agosto, 2014

Identidade Sobreposta



Começou assim, aparentemente inocente. Ele sentia vontade de crescer na vida, de ser notado, de fazer por merecer. Lutava por isso. Esforçou-se bastante. Sempre quis ter seus próprios méritos e, a partir deles, ser valorizado. Quis traçar seu caminho, e assim o fez.

Suas metas pareciam possíveis de serem alcançadas rumo ao sucesso. Mas se encantou alucinadamente pelo dito “sucesso”, o objetivo primordial de sua vida que, por sua vez, parecia um tanto quanto longínquo. Optou, então, por desconsiderar todas as etapas que certamente e merecidamente o levariam até ele.

Em sua busca incansável pelo sucesso, tornou-se deveras ambicioso. Não se tratava de uma ambição no sentido de evoluir como pessoa, mas no sentido de diminuir a dignidade. Suas ambições, cegamente, sobrepunham os limites familiares, sociais, éticos e até humanos. Descartava o contexto entre o certo e o errado.

Abriu mão, indiretamente, de sua família, da vida que vivia até ali. Deixou de lado sua companheira de tantos anos. Passou a priorizar saídas com pessoas mais populares, poderosas, ricas e influentes.

Com esse jogo de interesses, forçou-se a ser quem nunca fora antes. Tentava ser alguém de outro nível social; inventava situações, despudoradamente, que o fizessem aparentar pertencer a uma “classe” mais notável, quase que uma “raça” superior.

Aliou-se a pessoas imundas. Sujou-se com a sujeira de outros, que se somou às suas próprias. Garantia seus interesses à custa de outros, sem qualquer critério. O dinheiro falou mais alto.

Passou a ter um preço. Colocou a soberba em primeiro plano. Perdeu-se!

Mal sabia que tinha, antes disso, sua própria vida. Perdeu-se quando quis ser outra pessoa. Não se contentou em querer melhorar, se reinventar. Achou prudente fingir ser quem não era, se sobrepondo a qualquer um que se opusesse. Quis ser outra pessoa, quis viver uma vida que não era sua, ou que não deveria ser. Pelo menos não desse jeito.

Em um plano paralelo, poderia estar em uma situação melhor, talvez pior. Mas estaria numa vida real. A vida real, tal qual se apresenta, é o que instiga a querer melhorar, a evoluir, a nos tornarmos mais fortes ou a buscarmos forças. Não há atalhos para aprender essas coisas. São etapas que não deveriam ser puladas. No entanto, ele parecia gostar de viver fora da realidade, passando por cima de outros, pisoteando sentimentos alheios.

Seria uma pessoa livre de problemas maiores, mas se pôs em uma posição em que se tornou seu próprio problema. Achava que o contexto que incorporou o obrigava a ser assim. Mal sabia que havia se tornado refém de seu próprio ego. E o seu ego espantava pessoas de bem, por vezes açoitando-as!

Assumiu um papel que não lhe cabia, nem por direito, tampouco por merecimento. Travestiu-se de alguém que jamais seria. Esbanjava um status que sabia não possuir, mas gostava de máscaras.

Passou, definitivamente, a se portar como se de determinado grupo pertencesse, e esta ilusão que criara o engolia. Era insatisfeito com a vida que tinha e, por isso, fantasiava ser outro “alguém”. Outrora sua insatisfação o inspirava a subir degraus da jornada da vida, mas sua cobiça tomou conta de sua alma; o fez querer pular etapas e se desvirtuar do caminho correto. Afastou os justos que o repreendiam, aproximou os corruptos que o apoiavam.

Estes últimos que o apoiavam foram os primeiros a fugirem quando a tempestade chegou. Mas antes, pelas costas, o chafurdaram na lama para garantirem que também não se sujariam. Ficou só. Sentiu-se injustiçado, fez-se de vítima, recusou-se a enxergar as causas de sua queda. Renegou qualquer tipo de remorso por algum dia haver sido injusto com os outros que tanto pisou. Sentiu pena de si mesmo. A cada choro, uma involução e uma cegueira mais avançada.

As pessoas são “faustas”, como Goethe tão bem expôs. “Fausta” foi a melhor definição para o que ele havia se tornado. Vendeu sua alma, trocou sua vida por ideais impostos por uma cultura reprodutivista de que quanto mais poder, melhor. Ideais sem sentido. Ele trocou sua alma por coisas fúteis e passageiras que preenchessem sua mediocridade.

Aos poucos sua história se transmutou para uma grande quimera. Notou, finalmente, que havia perdido a sua identidade. Não sabia mais como recuperar aquele que um dia havia sido. Tornou-se seu próprio escravo e, muito pior do que isso, o seu pior algoz.

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* Tema do texto sugerido pelo meu amigo Emilio Numazaki. 
* Insight sobre Goêthe sugerido pelo meu namorado Daniel Nunes.

Obrigada pelas dicas. Vale a dedicatória!